O que é o Budismo? 1. O que é o Budismo?
A palavra Budismo é derivada da palavra ‘bodhi’ que significa ‘despertar’, portanto o Budismo é a filosofia do despertar ou iluminação. Essa filosofia teve origem na experiência de um homem chamado Siddhata Gotama, conhecido como o Buda, que realizou a iluminação por si próprio com 36 anos de idade. O Budismo existe faz 2.500 anos e tem cerca de 300 milhões de adeptos no mundo todo. Até meados do séc. XIX o Budismo era um filosofia com predominância na Ásia mas desde então se expandiu para todo o mundo.
2. Então o Budismo é apenas uma filosofia?
A palavra filosofia provém de duas palavras, ‘filo’ que significa ‘amor’ e ‘sofia’ que significa ‘sabedoria’. Então filosofia é o amor pela sabedoria ou amor e sabedoria, ambos significados descrevem o Budismo com perfeição. O Budismo ensina que devemos tentar desenvolver todo o potencial da nossa capacidade mental de modo que possamos alcançar o claro entendimento da realidade. O Budismo também prega o desenvolvimento do amor e bondade de modo que possamos expressar verdadeira amizade por todos os seres.
3. Quem foi o Buda?
No ano 560 antes de Cristo um bebê nasceu numa família real no norte da Índia. Ele cresceu rodeado pela riqueza e pelo luxo mas acabou se dando conta de que o conforto e a segurança mundanas não asseguram a felicidade. Profundamente comovido pelo sofrimento que viu ao seu redor, ele decidiu tentar encontrar o caminho para a felicidade humana. Com 29 anos de idade ele abandonou a vida de príncipe e saiu em busca da solução para os problemas humanos. Ele estudou e praticou com mestres distintos mas nenhum deles na verdade sabia a causa do sofrimento humano e como superá-lo. Por fim, depois de seis anos de estudos e experimentos com todos os tipos de práticas ascéticas e meditativas, ele realizou o fim da ignorância e compreendeu a origem e a cessação do sofrimento. A partir dessa data ele passou a ser o Buda, o Iluminado. Ele viveu por mais 45 anos durante os quais viajou pelo norte da Índia e ensinou a todos que quisessem ouvir aquilo que ele havia descoberto. A sua paciência e compaixão eram legendárias e milhares de pessoas se tornaram seus discípulos. Com oitenta anos ele faleceu.
4. Não foi um ato irresponsável do Buda abandonar a família?
Não deve ter sido uma decisão fácil para Siddhata Gotama abandonar a família em busca de algo completamente desconhecido. Durante muito tempo ele deve ter sofrido com a angústia e hesitação. Ele tinha duas alternativas, permanecer com a família ou dedicar-se ao mundo. No final a sua grande compaixão prevaleceu e fez com que ele se entregasse ao mundo. E desde a sua iluminação até os dias de hoje todo o mundo ainda se beneficia com o seu sacrifício. Essa não foi uma decisão irresponsável mas talvez o supremo sacrifício que alguém pode fazer.
5. O Buda está morto faz muito tempo, como ele pode nos ajudar?
Faraday, descobriu a eletricidade e já morreu faz muito tempo, mas a sua descoberta ainda nos beneficia hoje. Louis Pasteur descobriu a cura para muitas doenças e também já morreu faz muito tempo, mas as suas descobertas médicas ainda salvam vidas. Leonardo da Vinci, que criou obras de arte, também está morto, mas aquilo que ele criou ainda é capaz de causar elação e alegria. Homens nobres e heróis podem ter morrido faz séculos mas ainda podemos obter inspiração ao ler sobre as suas realizações. De fato, o Buda está morto, mas 2.500 anos depois, os seus ensinamentos ainda ajudam as pessoas, o seu exemplo ainda inspira as pessoas, as suas palavras ainda mudam vidas. Apenas um Buda é capaz de ter tal poder séculos depois da sua morte.
6. O Buda era um Deus?
Não, o Buda não era um Deus. Ele nunca fez esse tipo de afirmação, nem de que ele era o filho de algum Deus ou mesmo o mensageiro de algum Deus. Ele era um ser humano comum que aperfeiçoou a si mesmo e ensinou que se seguirmos o seu exemplo também poderemos nos aperfeiçoar.
7. Se o Buda não é um Deus, então porque as pessoas o veneram?
Há diferentes tipos de veneração. Quando as pessoas veneram um Deus, elas o honram e glorificam, fazem oferendas e pedem favores, acreditando que o Deus irá ouvir os seus louvores, receber as oferendas e atender as orações.
O outro tipo de veneração é quando demonstramos respeito por alguém ou alguma coisa que admiramos. Quando um professor entra na sala de aula ficamos em pé, quando somos apresentados a algum dignitário o cumprimentamos, quando ouvimos o hino nacional assumimos um postura respeitosa. Esses são todos gestos de respeito e veneração e indicam a nossa admiração por pessoas ou coisas. Esse é o tipo de veneração praticado pelos Budistas. Uma estátua do Buda com as mãos gentilmente repousadas sobre o colo e com um sorriso compassivo nos lábios nos recorda do esforço para desenvolver a paz e o amor dentro de nós mesmos. O perfume do incenso nos recorda da penetrante influência da virtude, as velas nos recordam da luz do conhecimento e as flores que, em breve irão murchar e morrer, nos recordam da impermanência. Quando nos curvamos expressamos nossa gratidão ao Buda por tudo aquilo que nos foi proporcionado pelos seus ensinamentos. Essa é a natureza da veneração Budista.
8. Mas eu ouvi as pessoas dizerem que os Budistas veneram ídolos.
Esse tipo de afirmação é um mal entendido. A definição do dicionário para a palavra ídolo é “estátua ou simples objeto cultuado como deus ou deusa”. Como vimos, os Budistas não acreditam que o Buda era um Deus, então como poderiam acreditar que um pedaço de madeira ou pedra possa ser um Deus? Todas as religiões empregam símbolos para expressar vários conceitos. No Taoísmo, o ying-yang é usado para simbolizar a harmonia entre os opostos. No Sikhismo, a espada é usada para simbolizar a busca espiritual. No Cristianismo, o peixe é usado para simbolizar a presença de Cristo e a cruz é usada para simbolizar o seu sacrifício. No Budismo, a estátua do Buda é usada para simbolizar a perfeição humana. A estátua do Buda também serve para nos recordar da dimensão humana dos ensinamentos do Buda, e que precisamos olhar para o nosso íntimo e não para o exterior para encontrarmos a perfeição e a sabedoria. Dizer que os Budistas veneram ídolos é incorreto.
9. Porque as pessoas fazem todo o tipo de coisas estranhas nos templos Budistas?
Muitas coisas podem parecer estranhas quando não as compreendemos. Ao invés de descartar essas coisas como esquisitas, deveríamos tentar entender o seu significado. No entanto, é verdade que algumas das práticas Budistas têm as suas origens nas superstições e mal-entendidos populares ao invés dos ensinamentos do Buda. E esse tipo de mal- entendido não é encontrado apenas no Budismo, mas aparece em todas as religiões de tempos em tempos. O Buda ensinou de forma clara e detalhada e se alguém é incapaz de compreender aquilo que foi ensinado, o Buda não pode ser censurado por isso. Há um dito:
Se alguém enfermo não busca tratamento mesmo na presença de um médico, isso não é culpa do médico.
Da mesma forma, se alguém está oprimido e atormentado pela enfermidade das contaminações mentais, mas não busca a ajuda do Buda, isso não é culpa do Buda.
Tampouco deve o Budismo, ou qualquer religião, ser julgado por aqueles que não o praticam da forma apropriada. Se alguém quiser conhecer os verdadeiros ensinamentos Budistas, deve ler as palavras do Buda ou buscar os ensinamentos através daqueles que os entendem da forma correta.
10. Porque há tantos tipos distintos de Budismo?
Há muitos diferentes tipos de açúcar: mascavo, branco, granulado, em pedra, xarope e cristalizado, mas todos são açúcar e todos têm o mesmo sabor doce. Diferentes formas são produzidas para atender as diferentes necessidades de uso. Com o Budismo ocorre o mesmo. Há o Theravada, Zen, Terra Pura e Vajrayana, mas todos são Budismo e todos têm o mesmo sabor – o sabor da liberdade.
O Budismo evoluiu para formatos distintos para ser relevante para as distintas culturas nas quais ele se estabeleceu. O Budismo foi re-interpretado ao longo dos séculos para continuar relevante para as novas gerações. Externamente, os distintos tipos de Budismo podem parecer muito diferentes, mas no núcleo de cada um encontram-se as quatro nobres verdades e o caminho óctuplo.
11. O Budismo tem base na ciência?
Antes de responder a essa questão seria melhor primeiro definir a palavra “ciência”. De acordo com o dicionário, ciência é o “conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens próprias, que visam compreender e possibilitam orientar a natureza e as atividades humanas.”
Há alguns ensinamentos Budistas que não se encaixam nessa definição mas um dos ensinamentos mais importantes no Budismo, as quatro nobres verdades, com certeza se encaixa. O sofrimento, que é a primeira nobre verdade, é uma experiência universal e objetiva que pode ser definida, experimentada e medida. A segunda nobre verdade afirma que o sofrimento tem uma causa natural, que é o desejo pelo prazer dos sentidos, que de modo semelhante é uma experiência universal e objetiva que pode ser definida, experimentada e medida. O Budismo não tenta explicar o sofrimento com conceitos ou mitos metafísicos. O sofrimento tem fim de acordo com a terceira nobre verdade e não com a ajuda de um ser supremo, através da fé ou de orações, mas simplesmente removendo a sua causa: isso é axiomático. A quarta nobre verdade, o caminho para o fim do sofrimento, uma vez mais, não tem nada que ver com a metafísica mas depende da adoção de certos tipos de comportamento. E uma vez mais, o comportamento é algo que está sujeito a ser testado. O Budismo, tal qual a ciência, prescinde da idéia de um ser supremo e explica as origens e movimentos do universo com base em leis da natureza. Tudo isso com certeza exibe um espírito científico. Por outro lado, o conselho do Buda de que não devemos aceitar as coisas cegamente, mas ao invés disso, questionar, examinar e investigar tomando por base a nossa própria experiência pessoal, tem também uma forte conotação científica. O Buda disse:
“Agora Kalamas, não se deixem levar por relatos, por lendas, pelas tradições, pelas escrituras, pela conjectura lógica, pela inferência, por analogia, pela concordância obtida através de ponderações, por probabilidades ou pelo pensamento, ‘Este contemplativo é o nosso mestre.’ Quando vocês sabem por vocês mesmos que, ‘Essas qualidades são hábeis; essas qualidades são isentas de culpa; essas qualidades são elogiadas pelos sábios; essas qualidades quando postas em prática conduzem ao bem-estar e à felicidade” - então vocês devem penetrar e permanecer nelas.” (AN III.65)
Podemos então dizer que embora o Budismo não seja completamente científico, com certeza ele tem uma forte conotação científica e certamente é a mais científica das religiões. É significativo que Albert Einstein, um dos maiores cientistas do século XX, tenha dito sobre o Budismo:
“A religião do futuro será uma religião cósmica. Deve transcender um Deus pessoal e evitar os dogmas e as teologias. Abrangendo ambos, o natural e o espiritual, ela deve estar baseada num senso religioso que surja da experiência de todas as coisas, naturais e espirituais, e uma unidade que tenha significância. O Budismo preenche essa descrição. Se houver alguma religião que esteja à altura das necessidades científicas modernas, essa religião é o Budismo.”
Nota: Estas perguntas e respostas foram traduzidas do livro “Good Question, Good Answer” escrito pelo Ven. Shravasti Dhammika.
Os Budistas Acreditam em Deus?
Na cosmologia do Budismo Theravada há
31 mundos de existência dos quais 26 são habitados por divindades, (ou devas). Os 5 mundos restantes correspondem ao inferno, mundo animal, fantasmas famintos, titãs e seres humanos. O nascimento nesses 31 mundos é temporário e não há nenhum mundo onde a existência seja permanente ou eterna. Todos os seres em todos os mundos estão sujeitos ao falecimento e ao renascimento no mesmo mundo ou em algum outro. Os seres renascem em cada um desses mundos de acordo com o seu karma.
As divindades que renascem nos 26 mundos de existência possuem distintas características de refinamento ou pureza, por exemplo, os primeiros 6 mundos de divindades, depois do mundo humano, ainda fazem parte da esfera sensual, ou seja, são divindades que ainda desfrutam do prazer dos sentidos. A diferença em relação ao mundo humano é que essas divindades desfrutam mais prazeres do que os humanos, cuja experiência é uma combinação de prazer e dor. Já nos mundos seguintes as divindades apresentam gradualmente qualidades cada vez mais refinadas e purificadas, que correspondem aos estados mentais experimentados nos jhanas, que são estados mentais puros acompanhados de profunda concentração e absorção mental. Portanto, o que caracteriza as divindades de um determinado mundo são as qualidades mentais desenvolvidas e presentes na mente daquele ser. Essas qualidades mentais são provenientes da prática de ações meritórias ou da prática de desenvolvimento da mente através da meditação. Agora, através da prática dos
jhanas, é possível que alguns seres desenvolvam poderes extraordinários, os poderes supra-humanos descritos em vários suttas (veja a descrição completa dos
poderes supra-humanos).
Os poderes supra-humanos descritos nos suttas não incluem a onisciência. A onisciência do Buda é um aspecto controverso no Cânone. Em geral o Cânone retrata o Buda sob uma perspectiva humanista, ele é um ser humano comum, igual a qualquer outro, que através do seu próprio esforço acabou descobrindo a realidade da vida. Essa descoberta, em muitos suttas, é descrita como a compreensão dos três conhecimentos verdadeiros: o conhecimento das vidas passadas, o conhecimento sobre como o karma determina o processo de renascimento e o conhecimento da destruição das impurezas mentais. Este último é o que caracteriza a iluminação e esse conhecimento não é privilégio do Buda, pois está disponível para qualquer um. Em contraponto a essa perspectiva humanista, os comentários da escola Theravada atribuem um certo grau de onisciência ao Buda. A posição ‘oficial’ da escola Theravada, é que o Buda era onisciente mas apenas em relação àquilo para o qual ele dirigia a sua mente, ou seja, o Buda não era capaz de saber tudo de forma simultânea e precisava dar atenção para aquilo que ele queria saber (para mais detalhes veja o
MN 71 e o
MN 12). Essa interpretação sofreu uma profunda transformação no Budismo, especialmente com o desenvolvimento do Mahayana, que atribui ao Buda um caráter totalmente transcendental, um caráter divino, distante do ideal humanista presente no Cânone.
O capítulo a seguir - “Multiplicação de Budas e Bodisatvas” - foi traduzido de um ensaio de autoria do renomado estudioso do Budismo – Etienne Lamotte. Ele foi publicado no livro The World of Buddhism e descreve resumidamente o desenvolvimento deste tema no Budismo Mahayana.